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19/11/2007 - O futuro do trabalho

Uma das principais funções do carioca Luciano Oliveira, de 32 anos, é acolher executivos estrangeiros que visitam o Brasil, levá-los a restaurantes típicos, indicar hotéis e até roteiros de viagem para os fins de semana. Não, Oliveira não é guia turístico. Ele é gerente de projetos da consultoria Roland Berger. Os estrangeiros acolhidos por ele são seus colegas, que vêm dos 35 países onde a empresa atua. Oliveira também costuma ser ciceroneado por colegas quando viaja a trabalho. Só neste ano, foram três viagens, dentro do programa de transferência de conhecimento entre equipes da Roland Berger. “No final, eles aprendem meia dúzia de palavras em português e nós aprendemos meia dúzia de palavras na língua deles”, afirma.

Oliveira faz parte do novo mundo do trabalho globalizado. Mora em São Paulo, é funcionário de uma empresa de origem alemã, tem um chefe americano e seu principal cliente, hoje, é uma empresa japonesa com operações na América Latina. Para atendê-la, a equipe da qual faz parte costuma marcar reuniões às 8 horas (8 da noite do outro lado do planeta). “Há alguns dias, fizemos uma apresentação de 80 páginas numa conferência por vídeo com os japoneses”, diz. “Achei que nos encheriam de perguntas. Mas já eram 11 da noite lá.” Oliveira empregou-se na Roland Berger depois de ter cursado a faculdade (o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, ITA, s em São José dos Campos). Mudou-se então para a capital paulista. E fez um MBA na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Sua trajetória faculdade–empresa–MBA é similar à de centenas de jovens.

Não é de hoje que profissionais brasileiros saem do país. Há exemplos disso há décadas. (O mais famoso é Alain Belda, que se tornou presidente mundial da indústria de alumínio Alcoa.) Mas o avanço da globalização e das tecnologias está tornando esses casos a regra. Mais que isso. As empresas começam a considerar que suas diferentes equipes dos vários países são na verdade uma única equipe, espalhada pelo mundo. Isso acontece porque a concorrência entre empresas é atroz, e elas precisam de soluções rápidas, para problemas que não se circunscrevem a um único país. Façamos uma analogia com o futebol. O Brasil exporta craques desde Pelé, na década de 70. A prática se tornou uma febre na década passada. Agora, é como se, além dos craques exportados, os jogadores brasileiros, mesmo daqui, tivessem de jogar também algumas partidas dos campeonatos italiano, espanhol e inglês, cada semana com um time diferente. E tivessem, aqui, o reforço de jogadores estrangeiros. É o fim das fronteiras profissionais.

“Para ter sucesso nesse novo mundo, é preciso ter espírito independente”, diz Felipe Athayde, de 28 anos, também carioca. Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, ele mudou-se para São Paulo, onde trabalhava numa empresa de comércio eletrônico. Apenas quatro dias depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, decidiu ir para Nova York. “Naqueles tempos, Nova York era o último lugar do mundo onde qualquer pessoa queria estar”, diz ele. “Todos me diziam que era loucura, mas eu não podia comprometer meu futuro por causa do Bin Laden.”

Athayde diz ter enviado mais de 200 currículos, até ser contratado por um banco brasileiro como operador de mesa do mercado acionário. De lá, foi para um escritório de um banco americano em Miami. Em 2005, mudou-se de novo. “Eu tinha muita curiosidade pela Ásia e também estava claro que as oportunidades na região seriam maiores”, afirma. Ele diz ter pedido demissão e ido para Hong Kong. Deixou a namorada nos Estados Unidos, esperando, e repetiu a tática de Nova York. “Consegui o e-mail de 130 líderes de instituições financeiras que atuavam na Ásia.” Um mês depois, um banco holandês o contratou e o enviou para Cingapura. Chamou a namorada, com quem casou. “O profissional globalizado não pode ter medo de se mudar.”

É esse o tipo de profissional em que as empresas apostam. O Google, a mais bem-sucedida companhia digital do mundo, recruta todo ano 16 jovens talentos, recém-saídos da universidade, e lhes dá cargos de chefia. Para treiná-los, organiza uma viagem de 16 dias por quatro países (Japão, China, Índia e Israel), com a missão de absorver a cultura local, fazer contatos e realizar tarefas. A consultoria Accenture afirma que 38 mil consultores e a maior parte de sua equipe de serviços recebem treinamento para colaborar com colegas de outros países. A IBM criou no ano passado um portal que conecta seus funcionários em todo o mundo. Qualquer um deles pode montar uma equipe internacional a partir de uma idéia. Isso já levou, segundo a empresa, a mais de 70 negócios.

É claro que esse fim das fronteiras tem um preço na vida pessoal. Oliveira, da Roland Berger, tem procurado chegar em casa mais cedo desde que seu filho nasceu, há um ano e oito meses. Dificilmente consegue. Ultimamente, as reuniões matinais com os japoneses têm atrapalhado sua corrida diária. O administrador de empresas Marcos Reis, de 45 anos, também sente o dilema da qualidade de vida. Diretor da Quip, uma empresa que monta plataformas de petróleo, ele afirma que viaja no mínimo seis vezes por ano para fechar negócios. Reis tem até uma estratégia para não ficar indisposto: “Assim que entro no avião, procuro me adaptar ao fuso horário do país que vou visitar. Só durmo quando é noite no meu local de destino”. Duro mesmo, diz, é quando sua filha de 5 anos liga, chorosa, e pede: “Papai, volta pra casa”.

O sentimento de que o trabalho não tem hora não é exclusivo de quem viaja ou tem reuniões com equipes internacionais. Uma pesquisa da consultoria Korn/Ferry com 2.300 executivos do mundo todo concluiu que 81% deles estão acessíveis para questões de negócios 24 horas por dia, sete dias por semana. O fato de esse termo, 24 x 7, ter virado um jargão do mundo dos negócios já diz bastante sobre os limites entre vida pessoal e profissional para os trabalhadores mais bem-sucedidos. Trata-se de uma reversão de hábitos, como aponta o sociólogo italiano Domenico De Masi, colunista de ÉPOCA: “Pela primeira vez na História do mundo, os mais pobres têm tempo para o lazer, enquanto a elite se esfalfa de trabalhar”.

Em geral, isso ocorre porque a tecnologia permite. O maior símbolo do trabalho a qualquer hora é o BlackBerry, um telefone com agenda e ligação com a internet. “O celular transformou meu carro numa extensão do escritório”, disse Roger Ingold, presidente da Accenture no Brasil, à revista Época Negócios. “Antes ouvia música quando voltava para casa. Hoje participo de conferências telefônicas.” Mas a mesma tecnologia que permite a invasão da vida profissional na esfera pessoal também funciona no sentido oposto. Graças ao notebook e ao celular, cada vez mais executivos estão tornando seus horários mais flexíveis. Vários visitam clientes, depois preenchem relatórios, fazem reuniões e tomam decisões sem precisar passar pelo escritório.

A questão tecnológica ilustra o conflito entre duas vertentes poderosas no futuro do trabalho. A primeira é a necessidade que as empresas têm de aproveitar ao máximo o potencial de seus funcionários. É isso que faz diferença entre liderança e obsolescência, num ambiente ultracompetitivo. A vertente oposta é que, para preservar esses talentos, as empresas têm de atender a suas demandas. E uma das demandas mais fortes, hoje, é a qualidade de vida. “O verdadeiro ímpeto para a transformação nos negócios virá de nossos próprios desejos inatos”, diz Thomas Malone, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e autor do livro O Futuro dos Empregos. “De metas não-econômicas, como liberdade, satisfação e realização pessoal.” Essa tendência é confirmada pela pesquisa A Empresa dos Sonhos, da consultoria paulista DM Recursos Humanos, especializada em recrutar jovens talentosos. Segundo Sofia Esteves, sócia da DM, o principal atributo de um emprego perfeito, de acordo com a maioria dos 18 mil universitários e recém-formados ouvidos pela pesquisa, foi oferecer qualidade de vida. “As pessoas estão estabelecendo uma nova relação com o trabalho”, diz Ursula Wetzel, do Instituto Coppead de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Trabalho não é só fonte de dinheiro. Deve também trazer felicidade, contribuir com a comunidade, respeitar o meio ambiente – enfim, fazer um mundo melhor.”

Essa é a cultura que se implantou, por exemplo, no Google, com suas salas de massagens, seus 17 restaurantes gratuitos, cada um com um tipo de comida, piscinas, quadras de voleibol de areia e clínicas de saúde, fora o espírito descontraído e os horários flexíveis. O raciocínio é simples. A empresa exige resultados extraordinários, mas se dispõe a dar condições fantásticas para atingi-los. Um pouco dessa lógica guia a Predicta, uma empresa de tecnologia especializada em medir a eficiência dos anúncios na internet. A sede da Predicta fica no 13º andar de um edifício novo na Vila Olímpia, um bairro paulistano que se transformou em centro de negócios da nova economia.

A primeira visita impressiona. As janelas são imensas, a vista é linda e os móveis têm design moderno. As divisórias são de vidro, repletas de mensagens escritas com canetas Hidrocor. É um espaço usado para discussão de projetos. Numa das salas, em cuja porta está escrito “descompressão”, avista-se um funcionário com fones de ouvido balançando em frente a um computador. Outros dois jogam videogame numa TV de plasma. E um quarto funcionário abre uma máquina de refrigerantes e retira... uma cerveja! “Escolhemos a dedo nossos funcionários e sei que eles têm três qualidades: são gente boa, inteligentes e muito competentes”, diz Marcelo Marzola, um dos três sócios da Predicta. “Se qualquer um deles quiser beber dez latinhas de cerveja na hora do almoço, tenho certeza de que ele sabe o que faz.”

Esse mesmo espírito de preservar a qualidade de vida é um dos lemas da agência de publicidade paulistana J3P. “O trabalho é uma das muitas coisas boas da vida”, diz Giuliano Pereira, sócio-diretor da J3P. “Ele não pode nos consumir.” Giuliano fundou a J3P há 12 anos, com dois amigos, os irmãos Fábio e Leandro Pereira. Os três na época tinham 19 anos e ainda eram estudantes. Tiveram de pedir demissão de bons empregos para abrir o novo negócio. A razão: “Queríamos ser donos do nosso tempo”, diz Giuliano. 

“E aproveitá-lo do jeito que achássemos melhor.” Os sócios da J3P dizem que tentam exercer esse ideal até hoje. Giuliano pega onda. Fábio tem uma banda. Leandro é amante de esportes radicais e salta de pára-quedas. A agência oferece aos funcionários o peculiar “convênio-academia”. Paga 100% das mensalidades para que a equipe mantenha a forma e a saúde física – e relaxe um tempo, fora do escritório.

A Predicta e a J3P ilustram outra tendência do futuro do trabalho: o empreendedorismo. “Está em formação no país uma geração de novos empreendedores, mais organizados e preparados”, diz Marcos Hashimoto, coordenador do Centro de Empreendedorismo do Ibmec São Paulo. “São jovens, com formação universitária e vontade de inovar, tanto na forma de trabalhar, como no produto que oferecem.” Esse grupo está sintonizado com o trabalho em escala internacional, como nenhuma outra geração esteve antes. Marzola e seus dois sócios, Philip Klien e Walter Silva, tinham 20 e poucos anos quando fundaram a Predicta, no Rio de Janeiro, em 2000. “Não queríamos ficar presos a empresas tradicionais – lugares com hierarquias rígidas, que extirpam os sentimentos das relações humanas”, diz Marzola. “Desejávamos criar um ambiente aberto e criativo, baseado na confiança e no convívio com pessoas que acreditam nos mesmos valores e vêem o trabalho como um projeto desafiador.”

O fenômeno do empreendedorismo foi detectado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada há algumas semanas pelo IBGE. O grupo de pessoas que se declaram empregadoras, com mais de dois funcionários, cresceu 10% entre 2005 e 2006. Nenhuma outra atividade cresceu tanto. O emprego com carteira assinada aumentou cerca de 4%. As estatísticas no longo prazo revelam que o número de pequenos negócios avança lenta, mas firmemente. Em 1992, cerca de 3,9% da força de trabalho do país vivia de um negócio próprio. Hoje essa fatia chega a quase 5%.

Um dos componentes típicos da nova geração de empreendedores é a paixão. Exemplo disso são os estudantes Breno MacMasi (seu sobrenome verdadeiro é Masi), de 24 anos, e Paulo Stool (no batismo, Saito), de 20. Eles se conheceram pela internet há cinco anos, numa comunidade virtual de discussão sobre telefones celulares. Em agosto, trabalhando juntos, tornaram-se os primeiros brasileiros a desbloquear o iPhone, permitindo o uso do celular da Apple com operadoras locais. “Ficamos 60 horas estudando o aparelho”, diz MacMasi. O que era hobby virou trabalho. Com a fama, passaram a ser procurados para dar palestras e por gente interessada no serviço. Dizem já ter desbloqueado mais de 500 aparelhos – inclusive para gente da própria Apple. Ambos trancaram a faculdade (Breno estudava Ciência da Computação; Paulo, Meteorologia). “Agora estamos abrindo nossa própria empresa”, diz MacMasi.

Dentro das empresas, o empreendedorismo também ganha espaço. Várias companhias, mesmo as mais antigas e tradicionais, vêm se reestruturando nos últimos anos na tentativa de dar mais espaço e voz aos funcionários. A British Petroleum, uma das maiores petroleiras do mundo, foi subdividida em várias unidades independentes que atuam como pequenas empresas isoladas. O modelo aproxima as pessoas e permite a troca de idéias. A americana AES, gigante da área de energia com cerca de 30 mil funcionários, implantou hierarquias flexíveis. Muitas decisões, mesmo as mais importantes, são tomadas por empregados. Na virada do século, 14 gerentes da empresa compraram uma usina na Inglaterra sem precisar de avaliações dos diretores. “Parte significativa dos projetos que desenvolvemos hoje busca aprimorar a cultura de trabalho nas empresas para atrair e reter talentos”, diz Boris Leite, sócio da consultoria McKinsey no Brasil. “Há cinco anos, o interesse pelo tema no país era mínimo.”

A mudança nas empresas reflete uma mudança na sociedade. “Pessoas submissas, que seguem ordens sem questionar, porque não têm estudo e sentem-se inferiores, estão desaparecendo”, diz a psicóloga Betania Tanure de Barros, professora de Gestão da Fundação Dom Cabral. “A democratização da educação e a liberdade de expressão agora formam pessoas mais críticas e capazes, interessadas em fazer tarefas gratificantes e controlar s seus destinos.” Se os desejos desses novos trabalhadores não são atendidos, eles não vacilam em pedir demissão para buscar realização pessoal em outro lugar. Nem o Google está imune à fuga de talentos. Vários dos jovens em quem eles mais investem declaram abertamente que não se vêem na empresa daqui a cinco anos. Algumas das estrelas saíram recentemente, queixando-se de que o espírito empreendedor já não é o mesmo.

Essa é, hoje, uma das maiores preocupações das empresas. Os profissionais, principalmente os mais jovens e talentosos, não pensam mais em fazer carreira numa empresa. Eles parecem mais próximos do mundo prognosticado pelo guru dos negócios americano Tom Peters, que cunhou a expressão “a marca chamada você”. Peters acredita que as pessoas devem cuidar da carreira por si sós, imaginando-as como uma sucessão de projetos. De acordo com o economista americano Richard Florida, a tendência vem se confirmando. Segundo seus cálculos, 30% dos trabalhadores americanos – o equivalente a 40 milhões de pessoas – são pagos para criar. É o dobro de 20 anos atrás. Essa categoria de profissionais, segundo ele, é formada por consultores, cientistas, engenheiros, médicos, advogados, empresários, programadores e artistas, geralmente concentrados em grandes centros urbanos. Boa parte dessa nova categoria de profissionais não tem emprego formal, com função, local e horário definidos. Organiza suas tarefas e ganhos por meio de projetos, a partir de suas aspirações.

É nesse tipo de profissional que aposta a Capital Pessoal, pequena empresa fundada há menos de dois anos em São Paulo, especializada em imagem de marcas. Sua equipe fixa é de apenas 14 funcionários – cada um de uma área diferente. Um é designer, outro é cineasta, outro psicólogo. Para cada trabalho contratado, a Capital Pessoal chama equipes diferentes, pagas por tempo determinado. Para dar uma nova imagem ao azeite Gallo, a empresa contratou 56 pessoas, que almoçaram nas casas de consumidores e fizeram pesquisas em supermercados. Para montar o planejamento estratégico do lançamento do Vectra GT, da GM, reuniu oito pessoas. O grupo incluiu consultores atípicos – taxistas acostumados ao louco trânsito paulistano e um DJ triatleta. Segundo Claudia Giunta, de 32 anos, fundadora e criadora do modelo de negócio da empresa, a mistura de pessoas com formações diferentes, sejam funcionários, sejam trabalhadores temporários, faz parte dos novos tempos. “Hoje é preciso criar e inovar constantemente”, diz Claudia. “E você só consegue isso quando associa diferentes idéias, referências e habilidades.”

Fonte: Revista Época - 19 de novembro de 2007

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